quarta-feira, 5 de junho de 2013

Ortodoxia e a Divinização do Homem


A divinização é uma verdade latente da humanidade, recontada pelos mais diversos mitos, infelizmente é desfigurada pelas mais variadas formas desde a antiguidade até os tempos pós-modernos. Numa busca desesperada e falha, como conta o mito grego de Prometheus, o homem encontra formas de divinizações que o levam a sua própria condenação. Contudo, há um arquétipo e uma possibilidade verdadeira.

Na Sagrada Tradição da Igreja Ortodoxa de Cristo, o homem pode alcançar a Theosis, ou seja, divinização. Isto porque de acordo com os ensinamentos bíblicos e patrísticos, a graça é incriada. Deus não é apenas essência como dizem os cristãos ocidentais, mas também energia.

Diferença entre Essência e Energias


Se Deus fosse apenas essência, ninguém poderia se unir a Ele, ou viver em comunhão com Ele, porque a essência divina é inacessível ao homem, pois o Senhor declara: "Não me poderás ver a face, porquanto homem nenhum verá a minha face e viverá." (Êxodo 33:20).

Vamos utilizar uma analogia bem prática e humana. Se tocarmos um cabo elétrico, morreremos. Por outro lado, se conectarmos isto a uma lâmpada, utilizaremos a luz e seremos iluminados. A energia da corrente elétrica pode então ser observada, apreciada e ela nos auxilia. A essência não podemos portar. Algo similar acontece com as energias incriadas de Deus.

Se pudéssemos estar conectados com a essência de Deus, também nos tornaríamos deuses em essência. Nominalmente, tudo se tornaria divindades, haveria uma confusão, e portanto, nada seria divindade. Por nome, isto é o que acreditam algumas religiões orientais, como o Hinduísmo, onde a personalidade divina não existe, mas sim, uma essência vaga, dispersa pelo cosmos, nas criaturas humanas como também nos animais e matéria (Panteísmo).

Da mesma forma, se Deus tivesse apenas uma essência incomunicável sem Suas energias, Ele seria um Deus autossuficiente, fechado em Si mesmo e sem comunicar-se com Sua criação.

É com suas energias incriadas que Deus criou o mundo e continua a sustenta-lo. Ele concede essência e existência ao nosso cosmos com suas energias incriadas, porém criadoras. Ele está presente na natureza e sustenta o universo com Suas energias. Ele ilumina o homem com suas luminosas energias. Ele santifica o homem com suas santificantes energias. E finalmente, diviniza o homem com suas divinas energias. É com tais energias, que o Santo Deus permeia a natureza, o mundo, o cosmos, a história e a vida dos humanos.

As energias de Deus são energias divinas. Elas são também Deus, sem deixar de ser Sua essência. Por serem divinas é que tornar o homem divino. Se as energias não fossem divinas, então elas não seriam Deus, não nos divinizaria nem nos uniria a Ele. Haveria finalmente, uma gigantesca distância entre o Criador e Sua criação.

Do contrário, como crê a fé ortodoxa: Deus tem suas energias e nos possibilita unirmos a ela, e a isto se refere a Sua Graça. Nos unimos a Ele, nos tornamos um com Ele e não um como Ele, caso nos uníssemos a Sua essência e não as energias.

Nós, portanto, nos unimos a Deus através de suas energias incriadas, e não através de Sua essência. Este é o mistério que envolve toda a criação, toda a fé cristã ortodoxa e toda a vida humana.

Isto, a falácia ocidental não pode aceitar. Por quê? Por que são racionalistas e não podem diferenciar entre essência e energia e ao mesmo tempo continuar crendo que Deus é incriado. Por este motivo, não há no discurso cristão ocidental a Theosis (divinização) do homem. A questão deles é de que o homem não pode se tornar Deus porque não podem imaginar energias incriadas, mas somente energias criadas. Isto significa: como pode algo criado, “fora de Deus”, tornar Deus o homem criado?

São Gregório Palamás e o pensamento ortodoxo


Durante o século 14, aconteceu uma grande confusão na Igreja Ortodoxa, que iniciou-se com um monge ocidental, chamado Varlaam. Ele ouviu em algum lugar que os monges atônitas (do Monte Athos) estavam discursando sobre Theosis. Ele foi informado que através da constante oração, se uniam a Deus e podiam até mesmo vê-Lo. Ouviu até mesmo que podiam ver a luz incriada que foi vista pelos Apóstolos na Transfiguração de Jesus Cristo no Monte Tabor.

Entretanto, Varlaam, tendo seu espírito permeado pelo racionalismo occidental, não percebeu a genuína experiência divina destes humildes monges e começou a acusa-los de loucura, heresia e idolatria. Varlaam chegou a afirmar, por exemplo, que era impossível aproximar-se e ver a Graça Divina, porque ele (Varlaam) não sabia nada entre a diferença da essência e das energias incriadas de Deus.

Na mesma época, a Graça Divina trouxe um grande e iluminado mestre para a Igreja: São Gregório Palamás, Arcebispo da Tessalônica. Com grande sabedoria e iluminação por Deus, e também por experiência mística pessoal, ele escreveu centenas de textos ensinando, através das Sagradas Escrituras e da Sagrada Tradição da Igreja, que a luz incriada da Graça de Deus, citado por São Paulo em suas cartas, são na verdade as energias divinas.

São Gregório Palamás defendeu que os monges que haviam visto a luz divina haviam sido divinizados (através da Theosis). Esta é a glória de Deus: a luz da Transfiguração no Monte Tabor, a luz da Ressurreição de Cristo, a graça do Pentecostes e até mesmo a iluminada nuvem citada no Antigo Testamento.

As energias divinas são, na teologia ortodoxa, reais e místicas e não somente simbólicas como Varlaam falsamente acreditava.

Em continuação a isto, a Igreja reunida em três grandes Sínodos na cidade de Constantinopla, glorificaram (canonizaram) São Gregório Palamás e declararam o real objetivo da vida em Cristo, que não era a moralização do homem, mas a sua divinização, onde o homem participa da graça de Deus de forma plena.

Conclusão


Até hoje, ocidentais consideram as energias divinas como cousas criadas e não incriadas. Isto é infelizmente uma das reais diferenças entre Ortodoxia e Heterodoxos, devendo ser levado a sério no diálogo teológico. Assuntos como a “Filioque”, primazia e “infalibilidade” papal e outros dogmas latinos são apenas a ponta do iceberg.

Se cristãos ocidentais não aceitam que a Graça de Deus é incriada, jamais poderemos tomar do mesmo cálice, mesmo que acreditassem em todas as outras coisas. Pois, quem pode divinizar o homem, senão o “Deus que se tornou o que somos para que pudéssemos nos tornar o que Ele é?”.

- Tradução do artigo "Theosis, o objetivo da vida humana.", escrito pelo Arquimandrita George, Ábade do Monastério de São Gregório no Monte Athos, Dezembro, 2006.

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